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Aplicação prática dos negócios jurídicos processuais

Por Erich Zager | Advogado | Chodraui e Tambuque Advogados




1. Conforme dados extraídos do relatório “Justiça em números”, divulgado anualmente pelo Conselho Nacional de Justiça, foram distribuídos 25,8 milhões novos processos no ano de 2020, fruto do ambiente de alta litigiosidade que vivenciamos no Brasil. O relatório também indica que o tempo médio de tramitação de um processo na Justiça Estadual até que seja proferida a sentença em primeiro grau é de cerca de 2 anos e 5 meses.


2. Dentro deste panorama de sobrecarga e morosidade do Judiciário, os operadores do Direito, em especial os advogados, ganham especial protagonismo para dar eficiência e agilidade na resolução dos conflitos e litígios, inerentes ao convívio em sociedade.


3. Levando-se em conta que a Justiça não é um fim em si mesmo, mas um serviço prestado pelo Estado à sociedade, não faz mais sentido manter o funcionamento da máquina judiciária como um sistema que “entrega” o direito à luz dos fatos. Neste contexto, a cooperação das partes para julgamento célere dos processos pode e deve ser iniciada antes mesmo do trâmite processual, o que pode se fazer pela pactuação dos negócios jurídicos processuais.


O que é o Negócio Jurídico Processual


4. Com a entra em vigor do Código de Processo Civil de 2015, deu-se especial atenção para a possibilidade de adequar os procedimentos judiciais às especificidades de cada causa, antes mesmo do processo judicial ser iniciado, estabelecendo o chamado negócio jurídico processual[1].


5. A introdução de tal disposição legal no Código de Processo Civil de 2015 segue as tendências do direito inglês (case management) e do direito francês (contrat de procédure), do que já se conclui que a preocupação sobre a efetividade e agilidade da tutela jurisdicional não é uma exclusividade brasileira.


6. O Código de Processo Civil de 1973 já trazia a possibilidade de firmar negócios jurídicos processuais, dinâmica não é estranha ao ordenamento jurídico brasileiro. No entanto, durante a vigência do Código de Processo Civil de 1973, as partes poderiam firmar apenas negócios jurídicos típicos, cujo conteúdo e abrangência estavam restritos às hipóteses específicas previstas no diploma processual, como a eleição do foro competente para julgar a demanda, a suspensão do processo por convenção das partes, a cláusula de arbitragem, entre outras estipulações que estamos habituados a ver nos contratos.


7. Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, foi estabelecido um novo paradigma para os negócios jurídicos processuais, associado à ideia de flexibilização procedimental e de tutela jurisdicional diferenciada, possibilitando a adaptação do procedimento judicial às exigências impostas pelo direito material para dar maior efetividade e agilidade ao processo judicial.


8. O novo paradigma também vem para consagrar a cooperação entre os sujeitos processuais (partes litigantes e juiz), destinada a produzir/construir a decisão final que será proferida pelo magistrado, abandonando a ideia de que as partes e o juiz são antagonistas processuais.


9. Importante destacar que o controle de validade do negócio jurídico será realizado pelo juiz, que poderá declarar a nulidade das estipulações que não preenchem os requisitos de validade de qualquer negócio jurídico ou que acabam restringindo questões de ordem pública, sobre as quais as partes não podem dispor.


10. Tais questões se traduzem em garantias processuais das partes, ou seja, o mínimo que deve ser observado em todos os processos, sob pena de acabar infringindo o devido processo legal, o que, certamente, não é o objetivo do art. 190, do Código de Processo Civil.


11. Assim, conclui-se que o negócio jurídico processual é a oportunidade das partes capazes realizarem alterações dos procedimentos judiciais, para adequá-lo as especificidades do caso em concreto, desde que tais alterações não representem cerceamento nas garantias processuais das partes ou infração à questões de ordem pública.


12. Não obstante as restrições ao escopo dos negócios jurídicos processuais, o instrumento segue sendo um campo fértil de atuação das partes contratantes e advogados na fase pré-processual e, certamente, evitará litígios desnecessários e trará maior segurança jurídica ao ordenamento.



Aplicações práticas


13. Com as novas possibilidades de se firmar negócios jurídicos processuais, chamados de atípicos pois não tem previsão expressa no Código de Processo Civil vigente, importante indicar em que medida tais negócios podem ser aplicados em casos concretos.


14. A primeira possibilidade que se apresenta é as partes disporem sobre as condições de procedibilidade das ações judiciais que podem vir a ser ajuizadas em razão de um contrato, seja ele de prestação de serviços, aquisição de bens, matrimônio (lembremos do pacto antenupcial) ou mesmo um acordo de acionistas/quotistas em determinado empreendimento.


15. Cita-se, como exemplo, a possibilidade de estipular que as citações em litígios envolvendo determinada relação contratual será realizada por meio eletrônico, nos e-mails declinados no contrato, conforme dispõe o art. 246, caput, do Código de Processo Civil, estabelecendo o dever das partes contratantes confirmaram o recebimento da citação eletrônica no prazo de 3 (três) dias, sob pena de aplicação da multa prevista no § 1º-C do mesmo artigo.


16. Considerando que a citação é ato formal e pessoal, a restrição aplicável em razão da matéria de ordem pública é de que não pode ser dispensada a confirmação pessoal do recebimento da citação, sob pena de invalidade do ato, salvo as hipóteses de citação por hora certa e citação por Edital, exceções à regra. Não obstante, percebe-se que a pactuação sobre a citação traz maior celeridade na formação da relação processual.


17. Outra questão que pode ser estipulada contratualmente com base no art. 190, do CPC/15, é o arresto cautelar de ativos financeiros do devedor inadimplente, sem a necessidade de demonstrar o perigo de dano e a probabilidade do direito, estipulação que dá maior celeridade e efetividade às execuções judiciais, conforme já foi inclusive decidido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo[2].


18. Também deve se dar especial atenção sobre a possibilidade de dispor sobre os ônus e deveres processuais das partes, o que implica na possibilidade de dispor sobre as condições de procedibilidade da ação venha a ser ajuizada, podendo se estabelecer que o juízo seja acautelado com o depósito prévio do valor em discussão e estabelecer quais documentos são aptos para comprovar os fatos sobre os quais se fundamentam determinada ação, por exemplo, sob pena de configurar a inépcia da inicial ou a ausência de interesse processual.


19. Tudo isto com o claro objetivo de evitar o ajuizamento de demandas infundadas, as chamadas “aventuras jurídicas”, que movimentam desnecessariamente a máquina pública e geram, de uma forma ou de outra, prejuízos às partes litigantes e uma enorme perda de tempo para todos.


Conclusão


20. Diante do cenário que encontramos no Judiciário brasileiro, bem ilustrado pelo relatório “Justiça em Números” do CNJ, percebe-se que não cabe mais ficar em uma posição de inércia, apena aguardando o longo e desgastante tramite processual. Neste contexto, as novas possibilidades franqueadas pelo Código de Processo Civil em vigor empoderam as partes litigantes e seus respectivos advogados para construção de um processo judicial mais célere e efetivo, o que se traduz na utilização dos negócios jurídicos processuais atípicos, instrumento que pode e deve ser explorado em todas as relações contratuais.

 

[1] CPC/15, art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. [2] TJSP; Agravo de Instrumento 2248497-32.2020.8.26.0000; Relator (a): Fábio Podestá; Órgão Julgador: 21ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 36ª Vara Cível; Data do Julgamento: 04/03/2021; Data de Registro: 04/03/2021 TJSP; Agravo de Instrumento 2110723-57.2020.8.26.0000; Relator (a): Sergio Gomes; Órgão Julgador: 37ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 25ª Vara Cível; Data do Julgamento: 10/11/2020; Data de Registro: 10/11/2020.


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